É parte do senso comum de que dormir é bom para descansar, certo? Mas o sono faz muito mais do que relaxar o corpo e a mente. É durante a noite, nas horas que estamos dormindo, que vários processos neurofisiológicos acontecem, assim como funções importantes de recuperação, restauração e funcionamento celular. Todos esses processos são vitais para manter a homeostase corporal, e não é apenas deitar na cama e dormir por algumas horas: tanto a quantidade de horas de sono, assim como a qualidade do tempo dormindo fazem toda a diferença. E pode ser que você já soubesse que sono “de menos” pode fazer mal, mas sono “demais” também pode ser um problema.
Quando o sono não está ocorrendo de forma adequada - seja por estar prejudicado na quantidade ou qualidade - falamos que estão ocorrendo “desordens” ou “distúrbios” do sono, e vão muito além da clássica insônia. Alguns outros exemplos dessas desordens são: fragmentação do sono, distúrbios da continuidade do sono, duração baixa ou elevada e o desalinhamento circadiano. Existem critérios específicos para diagnosticar cada um deles, mas esse não é o foco desse conteúdo.
O que eu quero te falar aqui, é que você deve se preocupar com seu sono porque, mesmo sem um diagnóstico específico, um sono de baixa qualidade contribui ou está associado à importantes patologias: doenças cardiovasculares, hipertensão, desregulação do metabolismo da glicose, diabetes, depressão e ansiedade. No caso das mulheres, especificamente, não é difícil encontrar desordens do sono associadas a condições patológicas do ciclo menstrual ou da gestação, e também à uma maior intensidade dos sintomas da transição da menopausa.
Especialmente depois da primeira menstruação começam a surgir algumas diferenças quando vamos comparar a qualidade do sono entre homens e mulheres. Isso acontece com o aumento da função ovariana e consequente elevação dos hormônios sexuais femininos, que começam a apresentar, ainda, uma variação cíclica na sua liberação. Esses hormônios - estrogênio e progesterona - regulam muito mais do que o ciclo menstrual e tem repercussão na saúde circulatória, respiratória, metabólica e também na regulação do sono.
Durante o período de idade fértil de uma mulher, algumas condições podem gerar prejuízos para a sua fertilidade, e desordens do sono podem estar entre elas. O estresse costuma ser um fator importante associado a baixa qualidade do sono, e quanto mais estressada uma mulher está, além de não dormir bem, existe um eixo hormonal que fica cada vez mais estimulado, o eixo Hipotálamo - Pituitária - Adrenal, que resulta na liberação do cortisol. A elevada ativação desse eixo pode gerar alterações na capacidade reprodutiva da mulher, possivelmente por interferir com a produção dos hormônios sexuais femininos que são fundamentais para um ciclo ovulatório.
Além disso, os hormônios que têm relação com a fertilidade apresentam um padrão de liberação circadiano, o que significa que a sua produção tem picos e quedas em horários específicos do dia. A desregulação do sono altera todas as atividades do corpo que tem esse padrão circadiano, logo, pode prejudicar a secreção desses hormônios. E caso uma mulher não apresente problemas com sua fertilidade e entre no período gestacional, os distúrbios do sono que podem surgir durante essa fase aumentam o risco de condições adversas, como o desenvolvimento de diabetes gestacional e desordens hipertensivas da gestação.
Outro momento crítico em que a mulher deve se atentar para a qualidade do sono é durante a menopausa.
Devido às alterações hormonais características desse período, o corpo da mulher fica mais vulnerável ao desenvolvimento de algumas condições como a hipertensão, doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, surgimento e/ou progressão de cânceres. Apesar de ainda não haver um consenso quanto a isso, algumas evidências já alertam para o fato de que distúrbios do sono podem ter um efeito - ainda que pequeno - no aumento do risco e na piora dessas condições. No sentido contrário, um sono de qualidade pode favorecer processos de recomposição corporal além de ser um suporte fundamental para o tratamento de condições metabólicas como a desregulação glicêmica.
Mas fique tranquila! Distúrbios do sono podem ser controlados e tratados com adequado acompanhamento profissional. A melhor escolha de tratamento depende do tipo de desordem presente, mas se você deseja desde já agir de forma a melhorar suas horas de sono, experimente se desligar dos eletrônicos e usar luzes mais baixas e amarelas no período da noite. Invista em chás com características relaxantes e adote algum hábito que acalme sua mente antes de dormir - pode ser uma leitura leve, uma meditação ou uma oração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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